EDITORIAL DO JORNAL O GLOBO - Ausência de saneamento é uma das causas das disparidades sociais
Além de uma educação pública falha, falta de tratamento de água e esgoto também gera pobreza
Não há uma causa única de o Brasil ser um dos países mais desiguais do mundo. Existe uma infinidade de explicações para a iniquidade, uma obra edificada durante muito tempo, por muitos governos de variadas tendências políticas. Há diagnósticos consensuais, como o do baixo padrão de grande parte do ensino público básico, que atende à massa dos jovens pobres. Com formação deficiente, eles serão eternizados nas faixas de renda baixa. A educação é uma usina de produção de pobres.
Mas há mecanismos menos visíveis, nem por isso menos eficazes, de geração de pobreza e de desníveis sociais. A grande disparidade entre a remuneração dos servidores públicos e a dos assalariados do setor privado é um exemplo. Os desníveis são perpetuados nos sistemas de aposentadoria, replicados na estrutura de incentivos tributários e em incontáveis outras regras, normas, políticas.
A anemia nos investimentos em infraestrutura, como no saneamento básico, não escapa à regra e também perpetua a pobreza. A falência de um sistema de regulação que privilegia as empresas públicas estaduais de água e esgoto é expressa em poucos números: 83,6% da população estão conectados à rede de água tratada e apenas 53,2% têm o esgoto coletado. Só agora há uma chance concreta de o Congresso rever esta regulação para que empresas privadas possam ampliar sua participação na atividade.
Conforme mostrou reportagem do GLOBO, este quadro indigente do saneamento no Brasil adoece as pessoas, geralmente as mais pobres, o que afeta a sua capacidade de trabalho e prejudica a já baixa produtividade da economia brasileira. Como tudo está interligado, calcula o Instituto Trata Brasil que se forem feitos investimentos anuais médios no setor de R$ 20 bilhões até 2036, o impacto positivo, por exemplo, em saúde, educação, produtividade do trabalho e turismo pode chegar a R$ 1,12 trilhão em duas décadas. As cifras impressionam. É importante destacar a capacidade de uma estrutura eficiente de saneamento gerar ganhos para a sociedade. O tema está em questão no projeto em debate no Congresso.
Com ele, há a expectativa de que se abra, enfim, mais espaço para empresas privadas, que atuam pouco no setor, apesar de apresentarem geralmente índices de eficiência superiores aos das empresas públicas.
A possibilidade de o capital privado participar das licitações a serem abertas pelo poder público, para a concessão dos serviços de água e esgoto, é um ponto forte deste projeto.
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