EDITORIAL ESTADÃO - Cidadania na esquina

Um equipamento de lazer não pode ser solução para a moradia de rua, que deve contar com seus próprios programas
São Paulo é uma cidade notoriamente carente de espaços públicos. Não à toa o Plano Diretor de 2014 previu dobrar o número de parques até 2030, com a criação de 120 novos espaços. Até o momento, contudo, só três foram inaugurados e dez foram anunciados. Agora, um novo projeto pretende, se não sanar esta carência, ao menos mitigá-la. Trata-se da extensão do programa municipal Centro Aberto.
Em vigor desde 2014, as intervenções do programa se caracterizam pela instalação de deques de madeira onde são disponibilizadas cadeiras de praia, além de internet gratuita, equipamentos recreativos e práticas culturais e integrativas, como terapia ou massagem. A proposta da Prefeitura é complementar as cinco unidades em atividade no centro, com outras dez até o fim de 2020. A novidade é que elas serão instaladas em bairros do centro estendido e em outros, como Freguesia do Ó, Jardim Ângela, Pari ou Penha.
É uma solução simples e barata. O custo de implantação é estimado em cerca de R$ 300 mil e o de manutenção, em R$ 13 mil mensais. Além disso, como as unidades estão previstas para áreas de densidade populacional, consideradas “zonas de centralidade”, com 50% do entorno com comércios e serviços, há a possibilidade de atrair parcerias privadas dispostas a patrocinar a manutenção de equipamentos e promoção de atividades.
As unidades do Centro Aberto têm tido grande aprovação por parte da população. Nas duas mais movimentadas, nos Largos São Francisco e São Bento, esse índice é de 96%. “É uma miscelânea de pessoas”, relatou um usuário ao Estado. “Tem sírio, boliviano, peruano, chileno, paulista, goiano, amigo que mora em Goiás, mas vem aqui quando está em São Paulo.”
A iniciativa se soma a outras que buscam promover a ocupação dos espaços públicos por parte dos paulistanos, como o Programa Rua Aberta, conhecido pelo fechamento da Avenida Paulista aos domingos, ou o Rua da Gente, recém-lançado com o intuito de prover atividades recreativas em praças de bairro nos fins de semana e feriados.
O Plano Diretor, por sinal, prevê a utilização de terrenos ociosos para a instalação de espaços de utilidade pública, como hortas comunitárias e parques de vizinhança (ou pocketparks). Mas isso depende de uma pressão sobre os proprietários dos terrenos por meio de mecanismos que têm sido pouco utilizados, como o IPTU progressivo ou multas.
No caso do programa Centro Aberto, é importante que as autoridades se valham da experiência para aprimorar o modelo. Um dos moradores próximos à unidade Paiçandu, que teve o menor índice de aprovação (71%), se queixa de que o deque foi construído justamente sobre o gramado do largo, uma das poucas áreas verdes da região. Lá, como no Largo General Osório, a poucas quadras da Cracolândia, vandalismos, furtos e a concentrações de indigentes são recorrentes.
Não que essas áreas não devam ser servidas. Ao contrário, justamente por serem espaços degradados, necessitam de mais ações de requalificação. Mas um equipamento de lazer não pode ser solução para a moradia de rua, que deve contar com seus próprios programas. No caso das instalações em zonas vulneráveis é necessário prever um reforço na segurança.
Uma das experiências mais promissoras é a do Centro São Bento, que recebe atividades do Sesc Florêncio de Abreu. Como bem sabem os paulistanos, os Sescs são verdadeiros oásis de convivência urbana, provendo cultura, esportes e recreação para todas as idades a um custo mínimo ou mesmo zero. Replicar esse know-how em microescala em outras unidades do Centro Aberto não é algo que exigiria grandes recursos, mas parcerias bem planejadas, que coincidem plenamente com a vocação cidadã dos Sescs
O certo é que, por necessidade ou gosto, os paulistanos estão prontos a ocupar sua cidade. A experiência mostra que, uma vez disponíveis as condições mínimas, essa ocupação ocorre naturalmente e instantaneamente.

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