EDITORIAL ISTOÉ - Bolsonaro Easy Rider

(Crédito: Dida Sampaio)
No guidão da moto, jaquetão de couro e escolta de seguranças (armados, como fica bacana a qualquer “bad boy”), Bolsonaro Easy Rider deve se sentir o próprio Peter Fonda no consagrado “road movie” dos anos 60, rasgando o País, praticando barbeiragens retóricas e gerando acidentes em série a cada curva no pensamento. No último domingo não foi diferente, nem nos dias que se seguiram. O motoqueiro irreverente dos finais de semana está se achando livre para dizer e fazer o que lhe der na telha. Um Fonda mal-ajambrado, diga-se de passagem, contrabandeando estatísticas, mentindo que nem um condenado, praguejando opositores e cuspindo impropérios goela afora no melhor estilo desbocado incorrigível. Capaz até, se desse, de enfiar uma bandeira americana na garupa da máquina para não deixar margens a dúvidas sobre suas preferências. Bolsonaro Easy Rider está no momento com uma ideia fixa em torno do aparelho excretor. Vai saber lá o por quê. Necessidades fisiológicas humanas lhe incomodam, provavelmente. Tem de fazer menos cocô — com perdão da citação, apenas para ser absolutamente fiel à expressão da vez do presidente — para preservar o meio ambiente. Tem culpa do “cocozinho petrificado de um índio” no atraso da obra de um terminal de contêineres e mesmo os corruptos e comunistas são, no seu entender, o “cocô do Brasil” a ser varrido. Dia após dia saíram essas sujeiras de sua cabeça. Mas não como mera higiene mental. Queria mesmo era conspurcar o debate. Em quem já cismou com a limpeza do pênis e o “golden shower” devem existir definitivamente recalques pendentes nas regiões baixas do mandatário. E eles lhe servem para disfarçar as lambanças ainda mais visíveis nos campos econômico, diplomático e político. Bolsonaro Easy Rider vai emporcalhando o País com um desemprego imoral, uma abjeta recessão que ele trouxe de volta após dois anos de recuperação — tímida, embora consistente — e com reprimendas a chefes de Estado do Primeiro Mundo e aos adversários do Parlamento. É possível isso? Desanca, sem dó, líderes da França e da Alemanha por pedir controle no desmatamento — em franco aumento no seu governo — e, de quebra, espinafra os vizinhos argentinos por uma eleição ainda não definida. Bolsonaro Easy Rider quer ampliar poder. Promoveu demissões de quem discorda dele. Aniquilou investigadores do Coaf que tiveram a pachorra de caçar o filho Numero Um, Flavio, por conta de seu laranjal. E botou a correr a turma da Comissão da Verdade que reparava injustiças aos perseguidos políticos. Até arranjou tempo para novos elogios ao notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, seu dileto “herói nacional”, um ser desprezível dos porões da imunda ditadura. Bolsonaro Easy Rider planeja agora a “faxina” da Receita Federal. Vai mexer em estruturas e nomes, “limpando” de lá os “petistas infiltrados”. Pode ficar certo: virão novas cagadas daí e não vale se incomodar com o linguajar chulo. É preciso estar na mesma “vibe” do capitão reformado. Do contrário, já viu: ele corta os bagos. O secretário de Comunicação do governo recém-nomeado, por exemplo, não durou nem uma semana no cargo. Contratado da Secom para filtrar os deslizes verborrágicos do “Mito” depois que ele chamou governadores nordestinos de “Paraíba” e negou a existência da fome no País, o assessor relâmpago deve ter insultado o vocabulário rastaquera do chefe da Nação. Aí não pode! Bolsonaro Easy Rider, na diplomacia da canelada, também vem colhendo prejuízos. Financeiros efetivamente. É dada como certa a retirada dos apoiadores do Fundo Amazônia, Noruega à frente, além da Alemanha, suspendendo contribuições que já chegam a US$ 3,4 bilhões. Mas o que é isso para um bad boy? Nada. O presidente fez pouco caso, deu de ombros. Na incontinência verbal corriqueira, os agrotóxicos entraram na dança. Sustentou o ex-capitão que o Brasil é um dos que menos usa essa porcaria química. E não o contrarie! O senador e ex-ator pornô, Alexandre Frota, foi expulso na semana passada do PSL, partido da base, por meter o pau no presidente. Figurativamente falando, claro. Bolsonaro Easy Rider entendeu. Eis um anátema implacável que mistura as obscenidades linguísticas do mandatário e a realidade nua e crua da política de articulação, onde ele não atua com a mesma desenvoltura. Bolsonaro Easy Rider é dado a tiranias e rancores típicos de um menestrel do baixo meretrício. Vingativo, implacável, despudorado. Gigolôs mandatários de certas saliências não fariam melhor. Suas fanfarronices fisiológicas são capazes de ruborizar até aquelas cabeças menos carolas da sociedade brasileira. O bad boy motoqueiro, o Peter Fonda da contracultura, o Easy Rider bananeiro está impossível. Quem vai conter seu ímpeto de aventuras loucas pilotando quase desgovernado uma moto e tantos destinos?
Por: Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três

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